A Terapia Assistida com Cetamina pode levar a mudanças comportamentais significativas por ajudar o paciente a ressignificar traumas e crenças do passado que afetam de forma negativa o presente. No entanto, é necessário que o psicólogo seja treinado para saber guiar o paciente para que ele mesmo descubra internamente o caminho para essa ressignificação.
A cetamina é um anestésico que em doses controladas e em ambiente médico, tem efeito antidepressivo e ação psicodélica por provocar um estado alterado de consciência o qual amplia a manifestação da mente, trazendo ao paciente maior sensibilidade e possibilidade de revisitar experiências e sentimentos que no passado lhe causaram sofrimento e lhe prejudica até os dias atuais. A aplicação da cetamina quando associada à psicoterapia induz à expansão da consciência potencializando o efeito da medicação o que leva a um maior enfrentamento, quebrando resistências e medo ao acesso do inconsciente e às lembranças dolorosas. Todos os sentidos ficam mais intensos o que pode levar a uma sensação de felicidade e a transitar por crenças e situações ansiogênicas com segurança e sem terror emocional.
A Terapia Assistida com Cetamina tem se mostrado eficaz no tratamento de diversas condições neuropsiquiátricas como depressão, transtornos de estresse pós-traumático, transtornos da ansiedade generalizada e dor crônica . Além disso, essa modalidade de tratamento tem oferecido melhor qualidade de vida a pacientes com doenças terminais por promover uma ressignificação da vida e uma maior aceitação com relação a própria doença.
Ressaltamos que o Psicólogo deve ter uma postura humana e empática pois naquele momento o paciente está se disponibilizando emocionalmente para o tratamento. É fundamental a atitude como respeito, maturidade, equilíbrio, presença, intuição, inteligência espiritual, criatividade, paciência, honestidade, curiosidade como também o profissional deve se abster de suas crenças para não contaminar com pré-julgamentos o processo terapêutico.
Para se quebrar a resistência é necessário estabelecer uma relação de confiança e autenticidade em relação as questões traumáticas, por isso é imprescindível que o profissional tenha flexibilidade para aceitar todas as possibilidades e caminhos apresentados pelo próprio paciente. Vale ressaltar que assim como o sucesso de uma cirurgia depende da habilidade prévia do cirurgião, o Psicólogo em Terapia Assistida com Cetamina necessita também ter conhecimento profundo da ação da cetamina no sistema nervoso central como também a experiência em outras abordagens terapêuticas a fim de lhe dar maior entendimento e insights de como guiar e trabalhar com segurança e precisão todos os tipos de experiência ontológica e comunicação emocional, verbais ou não, que surgirem ao longo do tratamento. Os resultados da Terapia Assistida com Cetamina por alterarem aspectos cognitivos e emocionais geram transformações comportamentais duradouras e persistentes.
Esse tratamento consiste na necessidade de realização de algumas sessões terapêuticas antes e depois da aplicação da cetamina, para que seja preparado um SETTING seguro, apresentar o ambiente, explicar todo o procedimento, formar uma relação de confiança paciente/terapeuta e cuidar para que também aconteça uma integração do conteúdo emocional que foi experienciado na sessão com cetamina, com a realidade da vida atual do paciente.
Algumas intervenções técnicas que facilitam o processo da Terapia Assistida com Cetamina são: Trabalho de Respiração, Logoterapia (Terapia da Busca do Sentido), Método Fenomenológico, Terapia Corporal, Arteterapia, Imagens Guiadas, Viagens Fantasia, Gestalt Terapia, com o objetivo de estimular o envolvimento e autorreflexão do paciente nessa experiência de modo mais intenso e profundo.
O Homem é um ser relacional e essa visão Ontológica permite experimentar simultaneamente a conexão entre nós e o universo. Nesse sentido, o tratamento da Terapia Assistida com Cetamina pode conduzir o paciente a essa dimensão espiritual e muitas vezes trazê-lo a um sentido de cura, o qual o paciente se propôs a buscar.
O Processo Terapêutico na Terapia assistida com Cetamina
A Terapia Assistida com Cetamina tem como objetivo a melhora comportamental e funcional do indivíduo conseguindo muitas vezes a diminuição ou até mesmo a retirada da medicação neuropsiquiátrica. Durante as sessões ocorrem mudanças em seu estado de consciência que podem ajudá-lo a se sentir conectado com sua capacidade de cura interior. A cetamina funciona a nível cerebral como um inibidor dos receptores do NMDA. Quando esses são bloqueados eles acabam liberando o glutamato que tem uma função excitatória provocando múltiplas ações incluindo aprendizado, memória e neuroplasticidade.
Existem diferentes protocolos de terapia assistida com psicodélicos. no tratamento da Terapia Assistida é necessário que a medicação seja aplicada de forma endovenosa a fim de que se tenha facilitado o acesso ao trauma a fim de ressignificá – lo e para que isso ocorra necessita que a infusão de cetamina faça o efeito de alterar o estado atual de consciência a tal nível que impeça a ação do mecanismo de defesa do paciente. Para que esse tratamento seja eficiente é importante também que o psicólogo tenha o conhecimento de cada etapa da ação da cetamina endovenosa durante o procedimento. É importante ressaltar que o uso da cetamina como tratamento tem que ter um início, meio e fim pois o objetivo é contrário ao do uso recreativo de qualquer outro psicodélico já que o que buscamos não é a fuga de sentimentos nem de si mesmo, mas sim o enfrentamento e ressignificação do problema.
Durante o aprofundamento da infusão de cetamina se iniciam diferentes estágios de alteração da consciência sendo que em um mais profundo o paciente pode começar a apresentar expressões por formas, figuras, lugares, situações como também sensações que não são claramente definidas nesse momento porém são fenômenos que devem ser compreendidos de modo integral podendo por si só clarificar sua atual condição existencial já que poderão surgir materiais significativos como memórias, sentimentos e pensamentos que foram há muito tempo enterrados ou que simplesmente entram novamente na consciência e que agora podem ser olhados sem dor.
Na nossa experiência o uso da cetamina endovenosa associada a Terapia Assistida tem a vantagem sobre outros psicodélicos, primeiro pela questão da legalidade já que a cetamina é regulada e autorizada pela vigilância sanitária há quase 50 anos, enquanto outros psicodélicos ainda estão em pesquisa e testes. Em segundo lugar a cetamina se sobressai pelo fator segurança pois pode ter a sua dose controlada de acordo com o peso do paciente, funções hepática e renal e comorbidades, além de que é conhecido todos os efeitos colaterais como também interações medicamentosas associadas.
O terceiro aspecto da vantagem do uso da Cetamina como psicodélico na Terapia Assistida é o seu total controle durante a infusão, ela pode ser interrompida ou diminuída inibindo os seus possíveis efeitos colaterais quase que de maneira instantânea, o que não é possível com outros psicodélicos que se utilizam de chás ou comprimidos para seu tratamento.
A quarta vantagem do uso da cetamina como psicodélico na Terapia Assistida é o tempo de tratamento, enquanto a aplicação da cetamina pode ter a duração de 1 hora e meia até 4, os outros psicodélicos tem a duração média entre 4 até 12 horas muitas vezes necessitando inclusive de internação pelo efeito rebote do psicodélico em ação. Apesar de não existir uma padronização no número de sessões de Terapia Assistida com cetamina, os protocolos variam de acordo com a necessidade de cada paciente, porém o tratamento normalmente envolve três fases terapêuticas distintas:
- A sessão Preparatória, sem cetamina
- A sessão de Terapia Assistida com cetamina
- A sessão Integrativa sem cetamina.
1- A Sessão Preparatória:
A primeira parte preparatória para a sessão da Terapia Assistida com Cetamina é fazer o rapport, ou seja, estabelecer uma relação de empatia e confiança entre o paciente e o Psicólogo a fim de estabelecer o vínculo de para que ele possa se sentir à vontade para dividir sua história de vida e suas dores existenciais como também se entregar sem resistência ao tratamento.
O segundo aspecto é compreender o sofrimento e já iniciar um primeiro passo rumo ao tratamento. Entre algumas técnicas que particularmente nós utilizamos nesse momento é a Terapia Cognitiva Comportamental – TCC para identificar as distorções cognitivas que possam estar trazendo esquemas de repetição de pensamentos e crenças disfuncionais do paciente ligados ao fator de sofrimento atual buscando as origens delas a fim de desfazê-las. Muitas vezes a origem das distorções cognitivas se encontra em situações traumáticas do passado sendo difícil para a pessoa conseguir encará-las apenas em terapia por ser bastante doloroso, o que pode levar a comportamentos de auto boicote e negação até mesmo acabando por interromper o processo terapêutico. Na Terapia Assistida com cetamina esse acesso emocional profundo acontece fluidamente sem medos pois a sessão de preparo facilita o caminho para o auto entendimento o que pode ser melhor identificado com a ajuda da ação da cetamina na sessão com cetamina.
O terceiro passo é explicar e orientar o como será todo o processo de tratamento da Terapia Assistida com Cetamina levando o paciente a crer ainda mais na ação dessa medicação, como também na importância de ele ter uma postura ativa em sua cura.
2- A sessão de Terapia Assistida com Cetamina
Essa é a fase em que ocorrerá a combinação entre a psicoterapia e a cetamina. Para que isso ocorra de forma eficaz é importante verificar o ambiente: Música suave, poltrona reclinável, fraca iluminação como também venda nos olhos. É papel do Psicólogo nesse momento ajudar o paciente a alcançar um estado de entrega objetivando entrar em contato mais autêntico e destemido com seu íntimo, se lançando a pensamentos e sentimentos relacionados a resolução de conflitos e busca de sentido.
Numa próxima etapa onde se dará um estado mais profundo e alterado do nível da consciência é importante o psicólogo encorajar o seu paciente a enfrentar os fenômenos apresentados tendo como objetivo a estimulação da ação do inconsciente. Caso exista algum desconforto físico como náusea ou intensificação de emoções como o medo, pode ser solicitado à enfermeira a diminuição da velocidade da infusão de cetamina a fim de amenizar os sintomas. Toda construção do paciente no momento da experiência com cetamina como memórias, imagens, falas, choro, experiências existenciais ou até mesmo espirituais podem ter ligação com questões as quais ele precisa superar, sendo assim o psicólogo deverá nesse momento facilitar o trabalho de integração da manifestação fenomenológica da ação psicodélica, tendo como objetivo induzir o paciente a conectar–se com sentimentos reprimidos como também situações abertas em sua história de vida.
Para explicar melhor esse processo darei como exemplo uma paciente que não aceitava a sua condição de doença terminal, não tinha crenças religiosas e encontrava-se em estado de depressão evitando contato até mesmo em suas relações familiares. Na segunda sessão com cetamina teve um despertar espiritual, algum tipo de experiência em que sentiu a presença de Deus e a partir de então relatou ter encontrado sentido em sua vida independente do tempo que ainda lhe restasse. Ao longo do tratamento conseguiu se reaproximar de sua família e amigos sentindo – se mais feliz e fortalecida pois desde o momento do diagnóstico de seu câncer em estado avançado vivia o tempo todo se esquivando de relacionamentos por achar que não valia mais a pena interagir, sentindo pena de si por acreditar estar com dias contados.
Trago também o caso de um outro paciente que procurou nossa clínica com histórico de sofrimento com síndrome do pânico há anos sem sucesso em outros tratamentos. Na Terapia Assistida com Cetamina pôde entrar em contato com o trauma que sofreu quando criança devido a maus tratos e abandono por parte do seu pai e madrasta, o que sempre lhe gerou muito sofrimento, assim como sentimento de impotência e menos valia. Desde os seus 3 anos de idade era privado de amor, atenção, cuidado, até mesmo muitas vezes era mantido sozinho sem o mínimo de alimentação e higiene pessoal. Ele sentia também constante medo. Durante a sessão assistida com cetamina percebeu que existia uma raiva interior que bloqueava as suas manifestações emocionais e consequentemente relacionais. Esse mesmo paciente, na segunda sessão de cetamina assistida, acessou a sua infância e lembrou como o seu pai fora sempre tratado de modo brusco desde criança por seu avô (havia sempre esse tipo de comentário) e então nesse momento ele pensou que não deveria ter mais raiva pois teve o entendimento de que essa foi a educação que o seu pai teve e não pôde, portanto, fazer diferente quando exerceu a paternidade. Pensando assim passou a sentir compaixão pelo seu pai o que o levou a perdoá-lo.
Na minha experiência, muitos pacientes têm sentimentos de raiva, rancor, depressão por eventos passados traumáticos que não foram bem interpretados e que no fundo podem ser ressignificados com o trabalho terapêutico do perdão. Esse tipo de trabalho se mostra eficaz no que liberta a pessoa para um novo modo de interação com ela mesma, com o mundo e com seus traumas, conseguindo alcançar um novo sentido de vida.
Já indo para o final da sessão da Terapia de Cetamina Assistida, onde o paciente vai retomando a consciência normal, é importante se certificar que todos os pontos principais levantados durante a sessão tenham sido devidamente registrados para que possa então ter a base para a nova etapa, a de integração.
É fato que a grande maioria dos pacientes termina a sessão de Terapia Assistida com Cetamina com uma expressão facial aparentando leveza e relatando bem-estar.
3 -A sessão integrativa:
Essa é a última fase do tratamento com Terapia Assistida com Cetamina, se dá sem a aplicação da medicação e acontece geralmente uma semana após a da sessão com cetamina, é o momento em que ocorre a integração de todos os fatos relevantes registrados e pontuados. Nessa sessão é importante sedimentar as mudanças que ocorreram durante a ressignificação da terapia Assistida com Cetamina, e a possibilidade de novos insights.
Em suma, a Terapia Assistida com Cetamina, na minha opinião, é um divisor de águas no tratamento da depressão, ansiedade, pânico e estresse pós-traumático, pois permite acesso ao inconsciente de uma maneira amena, a qual poderia levar anos a serem acessadas dando oportunidade da ressignificação do sofrimento e com isso permitindo a desconstrução de crenças limitantes e dolorosas abrindo um caminho para possibilidades de descobertas de um novo sentido da vida.
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Carine Hildebrandt (CRP 05 – 18858)
Psicóloga Responsável – Setor de Terapia Cognitivo Comportamental, logoterapia e Neurofeedback da Clínica Higashi