Na última década as evidências científicas do tratamento médico denominado – psicoterapia assistida com psicodélico, cresceram de forma sólida, e para melhor compreensão, será explicado o que é  psicoterapia e o termo psicodélico.

Psicoterapia são abordagens de tratamentos colaborativos, baseado em diálogo, que tem como objetivo ajudar principalmente o indivíduo a resolver questões de ordem emocional que, de alguma maneira, o influenciem negativamente, seja na vida pessoal, seja na vida profissional ou na relação familiar; a psicoterapia deve ser realizada por profissionais capacitados e treinados, normalmente são psicólogos ou médicos, que irão tratar o indivíduo de uma forma neutra, sem julgamento com preceitos éticos e base técnica.

Psicodélico é uma palavra que na sua origem significa manifestação da mente, ao que se refere, uma nova forma de percepção da mente, existem substâncias  capazes de produzir alteração nos processos cognitivos tais como: alteração da percepção do tempo, alteração do pensamento, alteração da visão, alteração da audição, alterações emocionais, em suma,  são substâncias capazes de induzir ao individuo a um estado não ordinário de consciência.

Existem inúmeras substâncias consideradas psicodélicas, aquelas que podem ser retiradas da natureza in natura, tais como: a “psilocibina” extraídas do cogumelo, o “peyote” extraído do cacto, a “ayahuasca” extraída do cipó, a “ibogaína” extraída de uma planta de origem africana e outros são compostos químicos sintetizados em laboratórios como, por exemplo, a cetamina, o MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) e a dietilamida do ácido lisérgico (LSD).

O interesse no uso de substâncias psicodélicas com a psicoterapia inicia-se com o estudo comparativo dos possíveis benefícios de práticas curativas e religiosas de nossos ancestrais. Evidências pré-históricas indicam que o uso de plantas com propriedades psicodélicas em cerimoniais ritualísticos e de cura, por exemplo, os nativos das Américas (México e EUA), entre  3.780 a 3.660 a. C. , consumiam um pequeno cacto sem espinho denominado de “peiote” ou “mescal”. Tribos indígenas da Amazônia, aproximadamente, há 1.500 e 2.000 a.c. utilizavam o cipó de “ayahuasca” em seus rituais religiosos e curativos. Os indígenas do México e da América Central usavam o cogumelo com “psilocibina’ em seus rituais religiosos chamado pelos astecas de “teonanácatl”, ou “carne dos deuses”. Todos esses antigos rituais religiosos/curativos tinham em comum o uso de uma substância com propriedade psicodélica junto com um guia que seria o Xamã ou sacerdote. 

Além do estudo de nossos ancestrais o interesse pela utilidade clínica de substâncias psicodélicas se intensificou, ainda mais, após a descoberta, por acaso, no ano de 1943, da primeira substância psicodélica sintetizada em laboratório pelo Dr. Albert Hofmann, pesquisador da empresa farmacêutica suíça – Sandoz, que ao estudar a possibilidade do efeito anti-hemorrágico do fungo de centeio, aspirou em seu laboratório, por descuido, uma pequena quantidade de pó derivado do fungo que  ele nomeou posteriormente de dietilamida do ácido lisérgico ou LSD.

Já em 1960 existiam centenas de trabalhos científicos publicados sobre a eficácia da ação dos psicodélicos em doenças neuropsiquiátricas como os  transtornos ansiosos, como a depressão e o alcoolismo, no entanto, no início dos anos 60, houve o término da patente do LSD pela farmacêutica Sandoz, tendo então, a droga cujo o fim até então era medicinal, passado a ser consumida sem critérios, sendo propagada por artistas como Jimi Hendrix e os Beatles. Este movimento ajudou a criar o culto ao alucinógeno, passando a haver uma crescente utilização de psicodélicos entre os jovens para fins recreativos e, consequentemente, seu consumo desregrado e abusivo, desencadeou em diversos acidentes, em resposta a isto, vários governos mundiais baniram o LSD do mercado. 

Em 1966, os Estados Unidos da América (EUA), iniciou um movimento de perseguição como leis rígidas sobre o uso de substâncias psicodélicas e, em poucos anos, pesquisas da utilidade médica do uso e psicodélicos foram desincentivadas e reduzidas drasticamente, relegada ao preconceito e à clandestinidade.

Durante quase 4 (quatro) décadas, o uso de substâncias psicodélicas na área médica foi ignorada, seu renascimento, no entanto, reinicia-se em meados do ano 2000. Em 2006 a Suprema Corte Americana reconheceu a legalidade do uso de compostos psicodélicos como sacramento em comunidade religiosa. Neste mesmo período, os EUA, iniciou uma mudança de pensamento , a favor da possibilidade de uso de psicodélicos, houve uma sinalização do Food and Drug Administration (FDA), no sentido de que os protocolos de pesquisa com compostos psicodélicos seriam tratados como qualquer outro, ou seja, julgados por seus méritos. Na última década esta abertura dos estudos se intensificou ainda mais visto, à exemplo do que ocorreu com o uso da cannabis medicinal dentro da medicina, antes  vista com preconceito e sem utilidade, provou-se útil como tratamento médico.

A função da medicação psicoativa na terapia assistida com psicodélico é como um facilitador da abordagem psicoterápica, aumentando a empatia e a conexão, entre o terapeuta e o paciente. Durante a psicoterapia assistida com psicodélico o paciente tem maior chance de acessar um evento traumático que pode ser seu gatilho de dor, ansiedade e depressão, sem culpa, sem raiva, sem medo, sem dor, ou seja, minimizando ou eliminando as ruminações negativas com pensamentos disfuncionais que se formaram após o evento traumático e com a ajuda psicoterápica ressignifica-los  conhecido como” insight “, novas interpretações, que produzem criatividade na resolução dos nossos problemas, alguns deles crônicos que são a causa de sofrimento.

A nível da atividade cerebral, os psicodélicos, aumentam a conectividade de áreas que normalmente não são ativadas ao mesmo tempo, no entanto, com exceção, ocorre uma diminuição de sua atividade, a região para-hipocampal e córtex cingulado anterior, que são áreas de atividade denominadas de rede modo padrão (Default Mode Network – DMN), responsável pela auto-narrativa, ela se ativa quando  não estamos em uma atividade específica, ela está relacionada  ao nosso sentindo pessoal em relação ao passado, presente e futuro, quando estas áreas estão em estado de hiperatividade, resultam em padrões comportamentais mal adaptados, com ruminações e comportamentos compulsivos que dependendo do grau pode levar ao sentimento de desesperança, tristeza intensa, ansiedade crônica e dependência química.

Modelo representativo da Rede Modo Padrão (em verde): os psicodélicos reduzem a atividade da Rede Modo Padrão permitindo que o cérebro faça conexões diferentes dos pensamentos e emoções repetitivos habituais( Imagem retirada da Ettinger-Veenstra H, et al. J Pain Research. 2019).

A normalização da atividade do DMN , resulta na capacidade de  auto-controle sobre nossos pensamentos e sentimentos e direcionando-os para o comportamento funcional. Pelo que tudo indica a capacidade  terapêutica dos psicodélicos vem da interrupção do controle repressivo da hiperatividade do DMN, poderíamos exemplificar como um “restart” da mente na auto narrativa disfuncional que ocorrem nas doenças neuropsiquiátricas como transtorno do estresse pós-traumático, nos transtornos do humor como na depressão grave, nos transtornos ansiosos como no Transtorno da Ansiedade Generalizada e no Transtorno Obsessivo Compulsivo,  o aumento da comunicação de outras áreas cerebrais abrem o caminho para novas conexões, associações, e geram facilitação de novas interpretações, que produzem criatividade na resolução de nossos conflitos.

Apesar da psicoterapia assistida com psicodélico ser segura quando realizada sob supervisão médica, ela não pode ser banalizada como “bom para todo mundo”, já que algumas condições neuropsiquiátricas, tais como: esquizofrenia, ou pacientes em fase maníaca da depressão bipolar, condições clinicas como hipertensão arterial não controlado não devem ser submetidas à uso de medicação psicodélica,  e deve ser contra-indicado ou mesmo usado com cautela em  pacientes que usam determinadas  medicações como os inibidores da MAO que são usados como antidepressivos ou anti-parkinsoniano, drogas  anti-tussiva como o bromidrato de dextrometorfano devem ser feitos ajustes de dose ou a suspensão da medicação antes do uso do psicodélico, ou seja, deve-se ter controle da indicação, contra-indicação e dose do uso do psicodélico.

É importante esclarecer que, no Brasil, a única medicação  aprovada para uso medicinal é a Cetamina que há mais de 50 anos, é utilizada como anestésico e para tratamento da dor, podendo, portanto ser utilizada na Psicoterapia Assistida, administrada via endovenosa dentro de uma estrutura médica, em baixa dose, com acompanhamento psicológico e sob prescrição e supervisão médica, no entanto, outros psicodélicos, mesmo os naturais como a “ayahuasca’ não podem ser utilizados como tratamento médico, visto que atualmente, não dispõem de uma indicação médica e padronização farmacêutica.

Psicoterapia Assistida com Cetamina

Autor: Dr. Rafael Higashi, médico (Crm: 74345-3), mestre me medicina (UFF), neurologista (RQE: 13728) e nutrólogo( RQE: 19627). Diretor da Clínica Higashi Rio de Janeiro ( www.drhigashi.com.br ).